O velho sapateiro
PERSONAGENS:
Narrador:
Martin Avedéitch:
Voz de Jesus:
Stepánitch:
Mulher com bebê nos braços:
Dona Alexandra:
Menino travesso:
CENÁRIO: mesa, cadeira, sapatos, instrumentos parecendo ser de uma oficina de sapateiro.
O personagem Martin deverá simular as falas do Narrador.
(Entra em cena Martin, senta-se e finge trabalhar no conserto de um sapato)
Narrador: Esta é uma versão de um velho conto. Toda graça se verifica em sua simplicidade e na lição que ela nos oferece…
Em uma cidadezinha da Rússia, havia um sapateiro, conhecido como Martin Avedéitch. Ele tinha um minúsculo quarto, onde vivia e trabalhava e de onde, também, podia ver tudo o que acontecia na rua. Por muito tempo, Martin viveu nesse lugar e adquiriu, então, muitos conhecimentos de seu oficio. Não havia um par de sapatos na vizinhança que não houvesse passado por suas mãos: alguns sapatos foram ressolados; outros, cerzidos e outros foram ainda costurados. O trabalho de Martin era árduo, mas ele não deixava de dar o máximo de si. Ele sempre era responsável e cumpria tudo o que prometia.
Martin sempre fora um homem de caráter, mas lhe faltava Deus. Somente em sua velhice, Martin começou a pensar mais sobre sua vida, sua alma e Deus. A partir daí, sua vida mudou. A vida tomou-se mais cheia de paz e mais agradável.
(Enquanto narrador fala, Martin segue trabalhando e, depois de um tempo, para, guarda suas ferramentas, colocando-a em um canto da mesa e puxa a Bíblia. Finge ler a Bíblia, gesticulando com as mãos como se estivesse interessado e em dúvida).
Narrador: Todos os dias, após seu trabalho, ele sentava-se tranquilamente e lia a Bíblia. Quanto mais ele lia, mais ele entendia e mais esclarecido e feliz ficava. Uma certa vez, ao abrir as Sagradas Escrituras, no Evangelho de Lucas, o seguinte trecho lhe veio (Lucas 6:29-30):
Voz de Jesus: “Ao que te ferir numa face, oferece-Ihe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeça de levar também e túnica. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames.”
Narrador: Ele pensou sobre o que lera e hesitou em descansar, mas não pôde deixar de se envolver mais em sua leitura. Ele continuou lendo até que chegou ao sétimo capítulo – sobre o centurião, o filho da viúva, e a resposta para os discípulos de João – e também leu sobre o rico fariseu que convidou o Senhor para ir a sua casa. Ele leu como a mulher pecadora chorou sobre os pés de Jesus e os enxugou com seu longo cabelo e como ele a justificou. No verso quarenta e quatro, ele leu (Lucas 7:44-46):
Voz de Jesus: “E voltando-se para a mulher, disse a Simão: ‘Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas, esta, com suas lágrimas, regou-me os pés e os enxugou com seus cabelos. Não me deste o ósculo; mas, esta, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça que óleo; mas, esta, com perfume, ungiu-me os pés.”
Martin: Ele não lhe ofereceu água para os pés, não o beijou, sua cabeça com óleo, ele não ungiu.…(tirando os óculos): ele deve ter sido como eu, aquele fariseu…E quem era o hóspede, hein? (coloca a ponta dos óculos na boca, simulando dúvida): O próprio Senhor! Se eu estivesse na mesma situação do fariseu, teria eu procedido da mesma forma?
(Martin fecha a Bíblia, simula cansaço, dá um longo suspiro e finge cochilar na cadeira com os óculos pendurados).
Voz de Jesus: Martin!
Martin, desperto de seu sono, assustado: Quem está aí?
(Martin fica assustado, virando-se para a porta e olhando de um lado e do outro).
Voz de Jesus: Martin, Martin! Olhe para a rua e me espere; amanhã, eu devo vir!
(Martin, meio confuso, surpreso)
Narrador: Teria escutado estas palavras em um sonho ou acordado na realidade mesmo?
CENA 2:
Narrador: Na manhã seguinte, ele se levantou antes mesmo do sol raiar e depois de suas orações, acendeu o fogo para preparar sua habitual aveia quentinha com chá. Depois disso, colocou seu avental e sentou-se à janela para seu trabalho.Entretanto, sua intriga com as palavras era tão forte que nem conseguia trabalhar direito.
(Martin entra em cena, finge acender o fogo, coloca o avental, prepara uma xícara de chá, toma-a e senta-se à mesa para trabalhar. Finge trabalhar e distrair-se olhando para a janela, volta a trabalhar)
Narrador: Entretanto, sua intriga com as palavras era tão forte que nem conseguia trabalhar direito. Até que, ao olhar para a ajnela, avistou um velho militar da vizinhança. O homem Sentou-se perto da janela e procurava se aquecer, visto que a roupa não devia lhe ser quente o bastante para suportar o frio das montanhas geladas da Rússia. Esse homem se chamava Stepánitch e vivia de caridades dos vizinhos.
(Stepánitch senta-se perto da jenla, sopra as mãos, simulando frio e se abraçando p-ara se aquecer)
(Martin continua sentado, trabalhando)
Narrador: Após ter consertado muitos pares de sapato, ele voltou-se para a janela por um instate. Seus olhos cruzaram diretamente com os do velho soldado que continuava ali sentado, tentando se aquecer. Esta cena comoveu Martin profundamente…
Martin, sussurrando: E se eu chamasse esse homem para se aquecer e tomar um chá quentinho?
(Martin imediatamente se levantou da cadeira e chamou Stepánitch pela janela).
Martin: Entre e aqueça-se um pouco. Você deve estar com frio, não é mesmo?
Stepánitch, agradecido: Que Deus te abençoe! Meus ossos doem, para ser sincero.
(Ele chacoalhou a neve de seu paletó e entrou, tomando o cuidado de verificar se deixava marcas no chão. Conforme foi verificar isso, ele se atrapalhou e quase caiu).
Martin: Não se preocupe quanto ao chão; apenas, venha e sente-se para tomar um chá.
(Martin colocou sua chaleira na mesa e serviu um pouco para Stepánitch, que ansiosamente virou o copo, bebendo todo o seu conteúdo. Era óbvio que ele desejava mais e Martin podia ver isso nos olhos do soldado).
Martin, enchendo mais uma vez o copo de seu convidado: Tome outro copo, amigo!
(Martin vira-se para a janela a todo instante, olhando para a rua, ansioso, em busca de alguma coisa que lhe confirmasse o seu dito sonho da noite anterior).
Stepánitch: Você está esperando alguém?
Martin: – Se eu estou esperando alguém?! Bem, estou meio envergonhado de lhe dizer isso. Não é que estou esperando alguém, mas é que escutei alguma coisa ontem à noite que não consigo entender. Se isso foi uma visão ou imaginação, não sei lhe dizer. Sabe, amigo, eu estava lendo o Evangelho de Lucas, que falava sobre Jesus, o Senhor. Quanto sofreu este homem! A propósito, desculpe perguntar, mas o senhor já ouviu falar disso, não é mesmo?
Martin Sim, eu já ouvi falar dele. Mas, sou um homem ignorante e não sei ler!
Martin: Bem, entendo, mas, continuando o que eu estava falando, eu lia sobre como ele andou na Terra. Eu cheguei a ler aquela parte que um fariseu que não recebeu bem o Senhor. Ele, com certeza, não recebeu o Senhor com a devida honra… Suponha que eu tivesse a oportunidade de receber Jesus, em pessoa… Foi pensando nisso que eu adormeci e escutei uma voz me chamando. Eu me levantei e a voz disse: ‘Me espere. Eu venho amanhã’ Para falar a verdade, eu fiquei tão surpreso e ansioso que o estou esperando. “Aliás, nem sei quem…”
Stepánitch, terminando seu chá: Obrigado, amigo. Você me deu conforto para meu corpo e minha alma.
Martin: O que isso? Venha sempre que quiser. Sou sozinho e tenho prazer em ter um convidado para passar algum tempo comigo.
(Martin abre a porta para Stepánitch, que sai de cena. Martin, ainda hesitante à porta, fica olhando…. Ele fecha á porta e volta a sentar-se à mesa, trabalhando).
CENA 3:
(Martin sentado simulando trabalhar, alternando trabalho e olhadas para a janela, além de levantar-se de vez em quando para ir até a janela).
Narrador: Martin voltou ao seu trabalho, pensando em tudo o que lera na Bíblia. Sua cabeça estava cheia dos ensinamentos de Cristo. Mas ainda continuava com suas olhadelas para a rua. Em uma das vezes, viu passar um carregador, uma moça e uma mulher. Não era uma mulher pura e simplesmente. Era uma mulher com um bebê nos braços, enrolado em um pano. Parada, tentava manter aquecido o bebê que chorava, provavelmente morto de frio e de fome.
(Mulher segurando boneco tenta fazer bebê parar de chorar, aquecendo-o nos braços e senta-se à janela de Martin. Martin, indignado, foi até a porta e chamou a mulher)
Martin: Sente-se e sirva-se (Martin puxa a cadeira e serve a mesa com uma chávena e pedaço de pão). Eu fico com o bebê enquanto você se alimenta. Afinal, uma mulher tão jovem com um filho tem se alimentar para poder ter força para criar seu filhinho, não é mesmo?
(A mulher sorriu gentilmente, agradecida e sentou-se à mesa).
Martin: Você não tem uma roupa mais quentinha para colocar em seu filho?
Mulher, tomando o chá e comendo pedaço de pão: Não, Senhor… Como eu posso oferecer isso ao meu filho se eu não tenho nem dinheiro para dar a ele o que comer? Além disso, eu penhorei a única peça de roupa de frio que tinha ontem…
(Terminado a sua refeição, a mulher tomou o bebê e Martin pôde ir até seu velho baú. Pegou alguns cobertores e roupas quentes que não usava mais e lhas ofereceu à mulher).
Mulher, emocionada, em lágrimas: – Que Deus te abençoe e que o Santo de Israel guie seus caminhos ao longo de sua vida!
(Mulher, agradecida, abraçou o sapateiro).
Mulher: Que Deus te abençoe e que o Santo de Israel guie seus caminhos ao longo de sua vida!
(Martin abre a porta para a mulher, que sai de cena. Martin, ainda hesitante à porta, fica olhando…. Ele fecha á porta e volta a sentar-se à mesa, trabalhando).
Martin, emocionado: Calor humano faz tão bem, ainda mais seguido de palavras abençoadas feito essas.
CENA 4:
(Martin sentado á mesa, trabalhando e às vezes olhando na janela… Paralelamente, do lado de fora, surge uma mulher arrastando um saco de frutas, ofercendo-o aos passantes. Cansada por carregar a sacola, sentou na sarjeta em busca de fôlego. Colocou o saco atrás de si, como se estivesse apoiando-o. De repente, um moleque saiu detrás de um muro e se dirigindo à sacola, pegou uma fruta sem pagar. Ia já saindo como se nada tivesse acontecido, quando a mulher se levantou da sarjeta e o segurou pelo braço com força. Sua face estava cinzenta, como se estivesse jorrando raiva pelos poros. A mulher levou a mão à garganta do menino como querendo-o enforcar. Ele gritava e cada vez ela apertava mais e mais).
(Martin, assustado se levanta da cadeira, abre a porta e observa a cena de confusão).
Dona Alexandra, segurando o menino pela blusa: Você vai ver, seu moleque ladrão. Vou chamar a polícia e vamos ver se você não se emenda!.
Menino travesso: Eu não fiz nada. Por que você está me batendo ?
(Confusão, gritos e choro do menino).
(Martin os separou. Ele pegou o menino pela mão)
Martin: Deixe-o ir. Perdoe, pelo amor de Deus.
Dona Alexandra: Ele me paga. Ela nunca mais vai esquecer. Quem mexe com Dona Alexandra nunca mais esquece. Eu vou levar esse ladrão para a polícia dar um jeito!
Martin: Deixe-o ir, Sra. Alexandra. Ele não fará isso novamente.
(A mulher atendeu o pedido de Martin e deixou o menino ir embora).
Martin, ainda retendo a mão do menion: Peça perdão à Dona Alexandra, menino. Ah! E não faça isso novamente. Eu vi você pegando a maçã….
Menino travesso, chorando: Perdão, sra! Perdão!
Martin: Aí, sim. E assim que devemos fazer. Então, por isso ,meu caro, você acaba de ganhar uma maçã. Eu pago Dona Alexandra.
Dona Alexandra: Você vai acabar pervertendo esses ladrõezinhos com este seu gesto. Assim, eles nunca vão aprender.
Martin:Dona Alexandra, Dona Alexandra… Esse é o nosso modo de vermos as coisas, mas não é o caminho de Deus. Se este menino, que é uma criança, é culpado por roubar uma maçã, o que não dirá no nosso caso. Não somos culpados por nossos pecados?!
(Dona Alexandra abaixa a cabeça consternada).
Narrador: Martin contou a ela a parábola do senhor que perdoou seus servos de grandes dívidas e de como este mesmo servo, não perdoou as dívidas de seu credor, lhe pegando pelo pescoço. A mulher permaneceu calada juntamente com o garoto que escutava atentamente.
Martin: Deus nos oferece perdão… E porque nós não podemos perdoar uns aos outros. Perdoe a todos e também a este filho de Abraão!
Dona Alexandra, com a cabeça ainda baixa: É, realmente, o senhor disse tudo, mas que eles estão se estragando dessa forma estão…
Martin: Sim, mas os mais velhos têm que mostrar dar exemplos aos mais jovens. – disse Martin.
Dona Alexandra: É sempre o que eu digo, sabe. A gente deve dar um duro danado para mostrar a essas crianças de hoje que a vida não é fácil, não… Essa história de não fazer nada na vida não pode continuar. E por isso, que muita gente rouba por aí. Sei que foi criancice desse daí, mas …. (apontando o olhar para o menino, que continua cabisbaixo, limpando lágrimas)
Dona Alexandra, de saída: Devo continuar minhas vendas de frutas. Obrigada e até mais, Martin!
Menino travesso: Deixe que eu carrego isso para você, Dona Alexandra!
(A mulher agradece a ajuda, mas a dispensa, recolocando a sacola atrás de si. O garoto segue a mulher e Martin ficou a contemplá-los de longe, enquanto seguiam. Depois, Martin voltou a sua casa e pegou os óculos que deixara cair com toda aquela confusão. Ele trabalhou um pouco, mas logo parou para acender o lampião para poder enxergar melhor).
CENA 5:
Narrador: Terminado seu trabalho daí a pouco, ele juntou suas ferramentas, guardou o sapato consertado e pegou a Bíblia para meditar um pouco na estantezinha. Ele ia abrir no local que deixara marcado na noite passada, mas acabou abrindo em outro lugar. Ele chegou até se assustar com o que lera e seu sonho lhe voltou à mente. Depois, pareceu escutar alguma coisa como se fossem passos e de repente, uma voz lhe falou:
Voz de Jesus: Martin, Martin,… Você não me conhece?
Martin: Quem está aí?
Stepánitch: Sou eu!. – (Entra em cena Stepánitch)
Mulher com bebê: Sou eu! . – (Entra em cena mulher com bebê)
Dona Alexandra e o menino travesso: Somos nós! – (Entram em cena Dona Alexandra e o menino travesso).
Narrador: Todos estavam muito sorridentes como se estivessem celebrando alguma coisa.
(Num passe de mágica, todos voltam aos respectivos cantos de onde saíram e desaparecem na escuridão da noite e do quarto).
Narrador: Martin, ainda meio confuso recoloca seus óculos e senta-se pensando em tudo. Depois, toma a Bíblia e lê a passagem que Deus lhe enviara aquela noite (Mateus 25: 34-40 ):
Martin, segurando a Bíblia: “Vinde, benditos de meu Pai, possui por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Tive fome e me deste de comer; tive sede e me deste de beber; era forasteiro e me hospedaste; estava nu e me vestistes; estive enfermo e me visitastes; preso e fostes me ver.Então, perguntarão os justos: Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiros e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou preso e fomos ver-te?Ao que lhe responderá o rei: Em verdade, em verdade, vos digo que, quando o fizeste a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes!
Narrador: E Martin compreendeu que o seu sonho se cumprira naquele dia e que o Salvador lhe veio naquele dia e que ele fizera a vontade de Deus, fazendo o bem àquelas pessoas…
Peça baseada na obra “Onde está o amor, aí está Deus”, do autor russo Leon Tolstoy (1828-1910). Escritor russo, autor de “Guerra e Paz”, obra-prima que o tornou célebre. Profundo pensador social e moral é considerado um dos mais importantes autores da narrativa realista de todos os tempos. Mais informações em: https://www.ebiografia.com/leon_tolstoi/
Assista ao vídeo ilustrativo: