Domínio próprio
Abertura: Gálatas 5:22,23: “Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei”.
Introdução
Dominar-se significa restringir ou controlar a própria pessoa, suas ações, sua linguagem ou seus pensamentos (Gênesis 43:31; Ester 5:10; Salmos 119:101; Provérbios 10:19; Jeremias 14:10; Atos 24:25). Os termos hebraico e grego que envolvem o autodomínio literalmente denotam ter domínio ou controle sobre si mesmo. O autodomínio é ‘fruto do espírito de Deus’ (Gálatas 5:22,23).
Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus e Adonai, embora dotado de poder ilimitado, sempre o tem exercido, não agindo de imediato contra os malfeitores, mas concedendo-lhes tempo e oportunidade de desviarem-se dos maus caminhos, a fim de obter o Seu favor (Jeremias 18:7-10; II Pedro 3:9).
Essa é sempre a esperança de Deus: O nosso arrependimento. Deus poderia ter feito a Arca para Noé, mas não, ele pediu que Noé a construísse, um projeto que levou 120 anos! Esse foi o tempo da misericórdia de Deus com aquela geração. No entanto, uma vez firmemente comprovado que aqueles a quem se concedeu tempo não aproveitaram a misericórdia concedida, o Eterno deixou de se refrear e executou o julgamento sobre eles através do dilúvio.
Gestão da emoção: Caim e Abel
O primeiro homicídio relatado pela Bíblia ocorreu pela falta de autodomínio. No livro “Gestão da Emoção”[1], o autor faz uma alusão a Gênesis que achei muito interessante, alegando que, em determinado momento, Adão e Eva, pais de Caim e Abel, foram insuficientes para ensiná-los quanto às funções socioemocionais mais importantes.
Mas o que são habilidades socioemocionais? São um conjunto de aptidões desenvolvidas a partir da Inteligência Emocional de cada pessoa. Inclusive, a defasagem dessas habilidades só costuma ficar nítida diante dos problemas quando se percebe que não estamos aptos para lidar emocionalmente com os desafios à nossa frente. Hoje, os pais estão falhando profundamente nesse quesito. As crianças estão sem a habilidade de lidar com sentimentos negativos, frustrações; por isso, elas tentam matar-se, autoflagelar-se, drogar-se, etc
Talvez Adão e Eva tenham ensinado comportamentos éticos, mas falharam drasticamente em promover entre os irmãos a empatia, a capacidade de proteger a emoção e a colaboração e a trabalhar em parceria ou a conversar sobre seus conflitos.
Muito provavelmente seus pais não foram eficientes em fomentar o diálogo entre os filhos, em refinar o prazer em se doar, em abrandar a inveja que sabota o bem-estar e promover a paz ou a inveja espelho, que é aquela que você diz: eu quero ser igual a ele. Não tiveram o cuidado de levá-los a ter prazer no sucesso um do outro. Quando não sentimos esse tipo prazer, tendemos a querer sabotar quem atinge o pódio. Não vemos nenhuma pergunta como: “Filhos, que pesadelos os perturbam? Que fantasmas os assombram? Que medo os controlam? Que angústias tiram sua paz?”
A aceitação de Deus não produziu a inveja espelho em Caim, tornando Abel um modelo a ser seguido; ao contrário, Caim nutriu a inveja sabotadora, que é a que produz raiva, indignação e sentimento de autoexclusão. Quando não se governa a emoção se é governado pelos conflitos espalhados nela. Sempre que alguém tem aversão por uma pessoa, uma escola, uma empresa, ele está preso numa masmorra.
A aversão de Caim pelo irmão se avolumou e produziu o ódio; o ódio se expandiu e produziu a sede de vingança; a sede de vingança se desenvolveu e gerou o desejo de sabotagem; o desejo de sabotagem levou ao pensamento homicida e, finalmente, à consumação do assassinato.
Simples palavra e pequenas atitudes da parte dos pais podem evitar grandes desastres emocionais nas famílias, empresas e escolas. Guerras, assassinatos, suicídios podem ser desarmados e abortados com as técnicas de controle de nossas emoções. Temos que estar preparados não apenas para corrigir erros, mas para preveni-los.
Para dar um choque de lucidez em todo esse ambiente psicótico, surgiu no cenário o Autor da Existência. Ele, apesar de respeitar o direito fundamental do homem decidir seus próprios caminhos, se envolveu no processo e praticou uma notável técnica da gestão da emoção.
Ele se dirigiu a Caim, não lhe dando sermões, não apresentando suas falhas, nem o punindo, mas:
- Levando-o a refletir e a analisar suas motivações internas (“Por que descaiu o teu semblante?);
- dando-lhe esperança de uma aceitação (“Se procederes bem não haverá aceitação para ti?”);
- e por fim, conferindo-lhe uma ferramenta de autocontrole (“Mas, se não, o teu desejo será contra ti, ao teu Eu cabe dominá-lo”).
O “Eu” que representa sua autodeterminação, seu livre arbítrio e sua capacidade de escolha é frágil, passivo, tímido, um mero expectador de suas mazelas. Deus exaltou o “Eu” de Caim ao encorajá-lo a sair da inércia e a dominar seus impulsos, a domar seus fantasmas emocionais, a gerir sua mente. Não pediu que ele se ajoelhasse; apenas provocou seu eu para atuar no seu psiquismo, a ser líder de si mesmo. Infelizmente, Caim desprezou a técnica ensinada pelo Autor da Existência.
Davi e Bete-Seba
Deixar de exercer autodomínio em determinada situação pode manchar uma longa folha de serviço fiel e mergulhar a pessoa em todo tipo de dificuldades. O que aconteceu com o Rei Davi ilustra isto.
Ele viu Bete-Seba, uma bela mulher, com um corpo desejável, tomando banho à luz da lua e seus instintos mais naturais foram aguçados. Ele não tinha como impedir ter visto, mas percebam como Satanás trabalha com nossas fraquezas: Davi, diz a Bíblia, perdeu o sono, levantou-se e foi até o terraço do palácio. Nesta oportunidade, viu Bete-seba se banhando e teve seus instintos mais primários perturbados.
Quantas mulheres Davi tinha para procurar naquele momento? Muitas! Mas ele quis aquela… Creio que todos já ouviram o ditado popular que diz: “a grama do vizinho é mais verde”. Ele olhou e cobiçou aquela mulher, a ponto de mandar trazê-la ao palácio, mesmo sendo informado que era casada, e era esposa de Urias.
Um rei poderia ter a mulher que quisesse, menos uma mulher casada, porque isso era e é uma abominação em Israel, de modo que essa prática fazia com que o Mandamento “NÃO ADULTERARÁS” fosse infringido.
E como um abismo chama outro abismo, a situação não parou por aí… Beteseba engravidou, e seria apedrejada, uma vez que o marido estava na guerra há tempos. Percebam a situação dessa mulher, pois não havia meios de ela expor o rei de Israel frente a toda nação?!
Ela manda avisar Davi de sua gravidez, que parte para uma segunda estratégia: mascarar seu pecado. Davi manda buscar Urias na guerra, alegando querer ter notícias dos acontecimentos, mas a finalidade era para que ele dormisse com sua esposa e Davi saísse ileso da situação, mantendo a imagem de um rei justo, de conduta ilibada. Mas não contou com a intervenção divina: Deus não permitiu o engodo. Deus não permitiu que Davi levasse em frente essa farsa. E toca no coração de Urias para que não vá para casa e não durma com sua esposa.
Davi tenta embebedá-lo na segunda noite e o manda para casa, mas novamente Deus o detém e ele dorme com os serviçais do palácio, mas não vai. E, quando questionado por Davi sobre o porquê de não ter ido para casa, justifica: “Poderia eu ir para casa, dormir com minha esposa, sabendo que meus irmãos estão na guerra?”.
Davi, então, dá início a um novo plano, mas percebam quem está por trás: Satanás! A Bíblia dia que ele veio para roubar, matar e destruir. Davi primeiro roubou a esposa de Urias e, como não conseguiu que ele dormisse com a esposa a fim de que pensasse que o filho era dele, resolveu matá-lo.
Manda uma carta ao general de seu exército, Joabe, para que pusesse Urias à frente da batalha e ele fosse ferido e morto. Urias leva em suas mãos sua própria sentença de morte! E assim ocorreu, ele morreu!
Joabe, então, envia uma carta ao rei dizendo: “Sinto informar que seu servo, Urias, foi morto à frente da batalha.” A estratégia de morte de Satanás fora concluída. Percebam que sentimos até um certo asco por vermos um plano tão vil, vindo de um homem tão justo, que era segundo o coração de Deus. Davi deixa que Bete-seba chore a morte do esposo por um mês e, então, leva-a para o palácio. A criança, fruto daquela união ilícita, por determinação divina, morre, porque o filho bastardo era discriminado em Israel.
Estratégia de deus para mostrar a Davi seu pecado: Profeta Natã
Obviamente, como Deus corrige o filho que ama, Ele envia o profeta a Davi para que julgasse uma causa. A história ilustrava o próprio pecado de Davi, mas ele não percebeu. Mas o Eterno conhece a severidade e rapidez humana para julgar o pecado do próximo, que muitas vezes é menor do que o nosso! O objetivo era que Davi visse de fora o tamanho do pecado que cometera. E a sentença dada pelo próprio Davi, ao pecado que ele não sabia ser o seu, foi a morte.
Consequências do pecado de Davi: ruína na família
O pecado de Davi teve muitos desdobramentos, graves consequências. Durante anos, ele foi afligido por dificuldades no seio familiar decorrentes do pecado cometido. (II Samuel 12:8-12)
Deus o tinha avisado através do profeta que não morreria, mas que o que ele fizera em oculto, seria feito a ele em plena luz do dia, por sua própria família. E Absalão, seu filho, assim como Davi cobiçou o que não era dele, cobiçou o reino do pai, quis tomar posse dele.
E para mostrar ao povo que era contra o pai, cometeu um ato abominável, que violava o mandamento dado por Deus na Torá: Subiu ao leito do pai e descobriu a sua nudez. Montou uma tenda e dormiu com todas as concubinas de seu pai, aos olhos de todo o Israel.
Além de roubar e adulterar com as esposas do pai, começou também a persegui-lo para tirar-lhe a vida, fazendo com que Davi fugisse para as montanhas.
Por mais problemas que possamos ter, jamais nenhum de nós teve de fugiu para não ser morto por um filho. Olhem os desdobramentos que um pecado pode ter!
O caso de Davi, visa nos transmitir a sabedoria de que devemos evitar situações que possam levar à perda do autodomínio. Ele poderia ter olhado, sentido desejo e refreado, saindo do terraço de seu palácio e procurando uma de suas esposas ou concubinas, mas preferiu continuar a contemplar a nudez de Bate-seba, vindo a sentir paixão por ela e não resistindo ao desejo de possuí-la. — II Samuel 11:2-4.
Resisti ao diabo, diz a Bíblia, e ele fugirá de vós.
Comparando a atitude de Davi à de José
Se compararmos Davi e José do Egito, vemos que todo o segredo do sucesso e do fracasso desses dois personagens bíblicos, está no domínio próprio:
Um olhou, cobiçou, roubou, enganou, matou e se apropriou das relações do morto.
O outro não ousou olhar, recusou os assédios com palavras e atos e fugiu nu quando sua senhora tentou agarrá-lo.
Assim, destacam-se duas importantes como reflexão
“Honrarei os que me honram, mas os que me desprezam serão tratados com desprezo” (I Samuel 2:30).
E o segundo versículo diz: “Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais.” (Jeremias 29:11)
Essas palavras se cumpriram na vida de José: resistiu ao pecado, foi preso e maltratado injustamente e o desdobramento de sua existência foi um final de vida abençoado: teve dois filhos que, embora filhos de uma egípcia, passaram a fazer parte das tribos de Israel: Efraim e Manassés. E, mesmo morto, teve seus ossos carregados por seus irmãos para à Terra Prometida e se levantará para receber a sua recompensa.
Que o mesmo possa acontecer com cada um de nós!
[1] CURY, Augusto. Gestão de emoção. São Paulo: Benvira, 2020.