A segunda milha
“Se alguém sob autoridade te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas.” (Mateus 5:41)
Para que entendamos o porquê e o que acontecia para que Jesus usasse essa alegação, temos que entender o contexto histórico vivido por nossos irmãos na época.
Quando o Império Romano conquistava um território, essa região se lhe tornava sujeita e na dependência de seu poder militar, sendo-lhe submissa.
Essa dependência levava seus cidadãos a dois tipos de obrigação: a de lhe deverem obediência e submissão civis e a de lhes pagarem tributos. Eles se tornavam seus servos, seus súditos para serem usados onde e quando bem entendiam as autoridades romanas.
Nessas regiões conquistadas pelo exército romano, o indivíduo que saísse de casa com a intenção de viajar, nunca tinha certeza de chegar ao local de destino, caso tivesse o infortúnio de encontrar pelo caminho qualquer representante das autoridades, pois este poderia obrigar o cidadão a voltar para levar uma carta, uma mensagem, ou a fazer qualquer outro serviço que quisesse. Tais incidentes eram muitos comuns nessa época.
Nós vemos um exemplo por ocasião da morte de Cristo, quando Simão, um homem de Cirene, estava passando e eles o obrigaram a levar o madeiro de tortura de Jesus até o calvário (Lucas 23:26; Mateus 27:31-32: “Depois de terem zombado dele, tiraram-lhe o manto e puseram de volta nele suas roupas, e o levaram para ser pregado na estaca. Ao saírem, encontraram um homem de Cirene chamado Simão. Obrigaram esse homem a PRESTAR SERVIÇO, carregando a estaca”). Esse é um pequeno exemplo do que os romanos faziam com as pessoas dos locais conquistados por Roma.
Jesus, com sabedoria divina, usa esses tristes acontecimentos para, por meio deles, ensinar preceitos morais de grande valor. Vejamos toda passagem citada por Jesus em Mateus 5:39-45:
“Eu vos digo: “Não resistais àquele que é iníquo; mas, a quem te esbofetear a face direita, OFERECE-LHE TAMBÉM A OUTRA. E, se alguém quiser levar-te perante o tribunal para obter posse de tua roupa interior, DEIXA-O TER TAMBÉM A ROUPA EXTERIOR; e, se alguém sob autoridade te obrigar a andar uma milha, VAI COM ELE DUAS. Dá ao que te pede e não te desvies daquele que deseja tomar emprestado de ti. Ouvistes que se disse: ‘Tens de amar o teu próximo e odiar o teu inimigo.’ No entanto, eu vos digo: CONTINUAI A AMAR OS VOSSOS INIMIGOS E ORAI PELOS QUE VOS PERSEGUEM, PARA QUE MOSTREIS SER FILHOS DE VOSSO PAI, que está nos céus, visto que ele faz o seu sol levantar-se sobre iníquos e sobre bons, e faz chover sobre justos e sobre injustos”.”
Irmãos, percebam que as palavras de Jesus nos exortam a uma renúncia de direitos. Trazendo para nossa realidade, pois a Bíblia é atemporal, o que seria andar a segunda milha?
Parece bem difícil executar essa norma de conduta que Ele nos instruiu. Note-se que Ele não nos obriga: o arbítrio é livre, você tem a opção de fazer ou não, de ouvir ou não a orientação. Por sua vez, Jesus e Adonai têm o direito de te manterem como SERVO ou como FILHO. Suas atitudes é que determinarão. As Escrituras nos orientam que o filho permanece na casa, mas o servo, não!
O que cada um de nós lutamos para ser? O que Deus quer que sejamos? Servos ou Filhos? Sabemos que é filho, pois Jesus é irmão.
A própria oração do PAI NOSSO, que nos foi deixada por Cristo, nos ensina a orar dizendo: “Pai nosso que estais no céu”… Então, Deus quer que busquemos ser escolhidos para filhos e não servos. Mas se temos agido como servos, como podemos chamar Deus de Pai? Não estaríamos sendo hipócritas? Querendo usurpar de um lugar que não nos pertence, como Satanás o fez?
Na passagem de abertura, Jesus fala em oferecer a outra face pra um tapa, deixar também a capa, ir uma milha a mais do que nos foi ordenado, amar os inimigos e orar pelos que nos perseguem. E conclui dizendo que, fazendo isso, nos tornaremos FILHOS DO NOSSO PAI QUE ESTÁ NOS CÉUS.
Andar a segunda milha já estava no sangue dos nossos patriarcas; talvez por isso foram escolhidos. Eles agiam corretamente, mesmo sem imaginar que o Messias viria.
Vejamos alguns exemplos:
1 – Jacó:
Jacó foi morar com o tio, Labão, irmão de sua mãe. Chegou sem nada, se enamorou da prima, Raquel, que a Bíblia diz que era formosa, mas não tinha nenhum dote para lhe oferecer e trabalhou 7 anos por ela, num trato feito entre ele e o tio. Na verdade, ele a comprou com seu próprio trabalho. É uma forma meio rude de dizer, mas foi isso que aconteceu. Sete anos depois, querendo sua esposa, na noite de núpcias a irmã mais velha é posta em seu lugar. Uma irmã, que, aos olhos de Jacó, não tinha atrativos, sendo a única coisa que a Bíblia diz possuir eram olhos “bassos”, isto é, olhos “meigos, bondosos”.Vemos aqui então a atitude de quem anda duas milhas.
Se estivessem naquela situação, alguns talvez até agredissem o sogro, mas Jacó apenas foi até ele e lhe perguntou: “O que é isso que me fizeste? Trabalhei sete anos por Raquel e você a troca por Leia?” Labão apresenta-lhe uma desculpa, de que naquele território não se dava a mais nova em casamento antes da mais velha, então que ele devia cumprir a semana com Leia e depois ele lhe daria a irmã, e ele trabalharia mais 7 anos por ela. Ou seja, houve uma mudança de trato, seriam 14 anos de labor por uma única mulher! E por que Labão não lhe informara isso antes?
Isso, aos nossos olhos, é ultrajante! Quem de nós não se sentiria injustiçado? Quem simplesmente aceitaria isso sem dizer nada? Mas vemos que Jacó aceitou, ele mesmo sem conhecer o que Jesus viria milênios depois ensinando, já se dispunha a andar a segunda milha… Vamos ler a história (Gênesis 29:21-30).
2 – Leia:
Nós sempre comentamos e imaginamos a situação de Jacó, mas raramente paramos para imaginar a situação dessa moça, que casa, por imposição do pai, com um homem que não a ama, sabendo que não fora a escolhida como esposa. Podemos ver por suas atitudes, no entanto, que ela amava o marido, pois passa a vida lutando por seu amor. Em cada concepção ela diz: “Agora meu marido irá me amar…” (vers. 31-35). Mas vemos que isso não aconteceu. Os filhos preferidos dele, aparentemente, sempre foram José e Benjamim, ambos de Raquel, a mulher amada.
Essa mulher, Leia, em algumas traduções chamada de Lia, também andou a segunda milha, irmãos. Ela foi preterida, e seu desespero era tanto, que chegou a trocar com a irmã um fruto, uma mandrágora, que seu filho lhe dera, por uma noite a mais com seu marido.
Raquel lhe pediu uma das mandrágoras encontradas por seu sobrinho, Rubem, no campo, mas podemos notar a grande tristeza de Leia, ao responder para irmã: “Acha pouco você me ter tomado o marido, agora quer tomar também as mandrágoras de meu filho?” (30:15).
Quando Jacó chega do campo, Leia vai ao encontro dele e diz: “É comigo que terá relações hoje, pois eu comprei esse direito com as mandrágoras de meu filho”, assim ele se deitou com ela (30:16) e ela engravidou naquela noite de Issacar.
Qual a mulher aqui que não se sentiria humilhada de ter que fazer algo assim para ter a atenção do marido? Ela não estava preocupada em se humilhar, em como ficaria em seu orgulho próprio, que é o que muitas de nós pensamos.
E vemos que Deus a recompensou: Raquel morreu antes de Leia, ao dar a luz Benjamim e foi enterrada pelo caminho. Mais tarde, Leia descansou e foi enterrada no sepulcro da família onde estava Abraão e Sara. De Leia veio Judá, e dele nasceu o Salvador do mundo. Essa mulher também andou a segunda milha.
——–
Assim também somos nós em nossa vida diária. Estamos todos a serviço do nosso Criador, que nos recompensa por nossas boas obras. P.ex. o empregado que vai além de sua obrigação, não é demitido, tem o respeito dos demais empregados e a consideração e reconhecimento do patrão e, com certeza, ganha mais do que aqueles que apenas fazem o que lhes foi pedido. Há empregados tão leais que são inclusos em testamentos, tornando-se herdeiros com os filhos.
Pensemos, por exemplo, naqueles filhos que são bons pra nós, olham por nós, por nossas necessidades. Acabamos nutrindo um amor especial por esses filhos. Não que os amemos mais do que os outros, mas percebemos que eles se esforçam mais para nos agradar, surpreender-nos, vão além do que pedimos e estão sempre prontos a nos servir. Já ouvimos de muitas mães: “Amo todos os meus filhos, mas o fulano, faz tudo que pode por mim, então tenho uma afinidade especial com ele”.
Assim também é Deus. A Bíblia diz: “A intimidade do SENHOR é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança”.