O Pagamento dos tributos e suas referências bíblicas
Este excelente artigo, de autoria do Prof. Antônio da Silveira, mostra um paralelo entre os tributos de nosso tempo em relação aos praticados na época de Jesus Cristo, incluindo citações bíblicas e as próprias palavras do Mestre.
1. Introdução ao tema: Aspectos legais básicos
1.1. Objetivos da Tributação:
Entre as incumbências legais dos governos (federal, estadual e municipal), está a atividade de tributação, correspondendo à arrecadação e fiscalização dos tributos, que são necessários para a manutenção da máquina administrativa e a realização de obras sociais para o atendimento dos interesses das comunidades (bem comum), tais como: educação, saúde, saneamento, habitação, planejamento urbano, serviços urbanos, segurança pública, etc.
1.2. Conceito de Tributo:
Tributo é termo genérico, significando, segundo a lei (C.T.N – Código Tributário Nacional – Art. 3º – Lei Nº.5172/66):
“[Toda prestação pecuniária compulsória], [em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir], [que não constitua sanção (reconhecimento) de ato ilícito (aquele contrário a lei, a moral a aos bons costumes)], [prevista em lei (aprovada pelo Poder Legislativo)], [e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (atividade sujeita à lei e não sujeita ao critério político das autoridades – discricionaridade).].”
1.3. Tributo – Gênero e espécies:
Dentro dessa expressão “tributo”, que é genero, encontramos 5 (cinco) espécies tributárias:
– os impostos (destinados a custear atividades gerais de governo);
– as taxas (destinada a custear atividades específicas de governo em prestação de serviços);
– as contribuições de melhoria (destinadas a custear atividades específicas em realizações de obras publicas não sustentadas pela arrecadação dos impostos);
– as contribuições parafiscais ou especiais (destinadas a custear atividades específicas não sustentadas pelos impostos); e
– os empréstimos compulsórios (destinados a custear situações excepcionais se ocorrer, como guerras externas ou calamidades públicas).
1.4. Previsão constitucional e legal:
O disciplinamento para a exigência desses tributos está previsto na Constituição Federal (Lei Maior); no Código Tributário Nacional (Lei Nº.5172/66), que são normas gerais de tributação, regulamentando a Constituição Federal; nas leis tributárias específicas federais, estaduais e municipais, dentro de suas respectivas competências. Esse conjunto de normas é denominado “Sistema Tributário Nacional”.
Os princípios (normas fundamentais) de tributações principais previstos são: o da Legalidade (não há tributo sem que a lei estabeleça), o da Reserva Legal (os fatos geradores, bases de cálculo, alíquotas, penalidades e outros componentes da tributação só podem ser criados ou modificados pela lei e não outros instrumentos legais como decretos, portarias, instruções) e o da Tipicidade Cerrada (todos os componentes da tributação deverão obrigatoriamente ser previstos na lei, sem qualquer omissão).
1.5. Ocorrências de sonegação fiscal:
Esse termo “sonegação” significa: a ocultação proposital com má fé (dolo), por meios fraudulentos pelo contribuinte, visando enganar o fisco. É portanto, termo genérico, que comporta diversas formas, como prática de fraudes (meios ardilosos); simulações e dissimulações (aparências enganosas) e conluios (combinações entre diversas pessoas). O objetivo nesses casos é a obtenção de vantagens indevidas pelos contribuintes visando não pagar o tributo ou reduzi-lo indevidamente de forma contrária a lei.
Essa situação não se confunde com a simples falta de pagamento de tributo, que não é considerada como sonegação fiscal, sendo penalizada apenas com multas, juros moratórios e correções monetárias. Ao contrário, a sonegação fiscal é crime contra a ordem tributária (Lei Federal nº.8137/90), cobrando-se o tributo sonegado, todos os referidos acréscimos legais citados e ainda, com consequências legais penais (condenações criminais).
É possível entretanto juridicamente discutir-se, segundo a doutrina e jurisprudência dos Tribunais, o denominado “planejamento tributário lícito” (elisão fiscal – economia legal). O que não pode ocorrer portanto e não é aceito é o planejamento tributário ilícito (por meios de elusões, forma disfarçada de elisão fiscal ou a evasões fiscais – sonegações).
2. Questionamentos que surgem então sobre o não pagamento de tributos devidos e ainda a prática de sonegações fiscais pelos cristãos, em decorrência das passagens bíblicas, independentemente das leis tributárias:
2.1. Seria lícito a um cristão deixar de pagar propositadamente ou ainda sonegar os tributos devidos?
2.2. Mesmo havendo hoje no pais, uma carga tributária elevadíssima equivalente a 36% do PIB (Produto Interno Bruto), que é o resultado do conjunto de riquezas produzidas, sendo uma das mais elevadas do mundo, seria lícito ao cristão realizar sonegação fiscal ou deixar de pagar o tributo devido?
2.3 Qual seria a mensagem bíblica a respeito desses assuntos?
3. Principais citações bíblicas sobre os tributos:
3.1 Mateus 17:24-27 e 22:15-22
3.2 Marcos 12:13-17
3.3 Lucas 20:19-26
3.4 Romanos 13:1-8
4. Passagens:
Mateus 17:24-27:
“24 Quando Jesus e os discípulos chegaram à cidade de Cafarnaum, os cobradores do imposto do Templo foram perguntar a Pedro:
— O mestre de vocês não paga o imposto do Templo?
25— Paga, sim! — respondeu Pedro.
Depois Pedro entrou em casa, mas, antes que falasse alguma coisa, Jesus disse:
— Simão, o que é que você acha? Quem paga impostos e taxas aos reis deste mundo? São os cidadãos do país ou são os estrangeiros?
26— São os estrangeiros! — respondeu Pedro.
— Certo! — disse Jesus. — Isso quer dizer que os cidadãos não precisam pagar. 27 Mas nós não queremos ofender essa gente. Por isso vá até o lago, jogue o anzol e puxe o primeiro peixe que você fisgar. Na boca dele você encontrará uma moeda. Então vá e pague com ela o meu imposto e o seu”
Mateus 22:15-22:
“15 Os fariseus saíram e fizeram um plano para conseguir alguma prova contra Jesus. 16 Então mandaram que alguns dos seus seguidores e alguns membros do partido de Herodes fossem dizer a Jesus:
— Mestre, sabemos que o senhor é honesto, ensina a verdade sobre a maneira de viver que Deus exige e não se importa com a opinião dos outros, nem julga pela aparência. 17 Então o que o senhor acha: é ou não é contra a nossa Lei pagar impostos ao Imperador romano?
18 Mas Jesus percebeu a malícia deles e respondeu:
— Hipócritas! Por que é que vocês estão procurando uma prova contra mim? 19 Tragam a moeda com que se paga o imposto!
Trouxeram a moeda, 20 e ele perguntou:
— De quem são o nome e a cara que estão gravados nesta moeda?
21 Eles responderam:
— São do Imperador.
Então Jesus disse:
— Deem ao Imperador o que é do Imperador e deem a Deus o que é de Deus.
22 Eles ficaram admirados quando ouviram isso. Então deixaram Jesus e foram embora”.
Marcos 12:13-17:
“13 Depois mandaram que alguns fariseus e alguns membros do partido de Herodes fossem falar com Jesus a fim de conseguirem alguma prova contra ele. 14 Eles chegaram e disseram:
— Mestre, sabemos que o senhor é honesto e não se importa com a opinião dos outros. O senhor não julga pela aparência, mas ensina a verdade sobre a maneira de viver que Deus exige. Diga: é ou não é contra a nossa Lei pagar impostos ao Imperador romano? Devemos pagar ou não?
15 Mas Jesus percebeu a malícia deles e respondeu:
— Por que é que vocês estão procurando uma prova contra mim? Tragam uma moeda para eu ver.
16 Eles trouxeram, e ele perguntou:
— De quem são o nome e a cara que estão gravados nesta moeda?
Eles responderam:
— São do Imperador.
17 Então Jesus disse:
— Deem ao Imperador o que é do Imperador e deem a Deus o que é de Deus.
E eles ficaram admirados com Jesus”.
Lucas 20:19-26:
“19 Os mestres da Lei e os chefes dos sacerdotes sabiam que era contra eles que Jesus havia contado essa parábola e queriam prendê-lo ali mesmo, porém tinham medo do povo. 20 Então começaram a vigiar Jesus. Pagaram alguns homens para fazerem perguntas a ele. Eles deviam fingir que eram sinceros e procurar conseguir alguma prova contra Jesus. Assim os mestres da Lei e os chefes dos sacerdotes teriam uma desculpa para o prender e entregar nas mãos do Governador romano. 21 Esses homens perguntaram:
— Mestre, sabemos que aquilo que o senhor diz e ensina é certo. Sabemos também que o senhor não julga pela aparência e ensina a verdade sobre a maneira de viver que Deus exige. 22 Diga: é ou não é contra a nossa Lei pagar impostos ao Imperador romano?
23 Mas Jesus percebeu a má intenção deles e disse:
24— Tragam aqui uma moeda. De quem são o nome e a cara que estão gravados nela?
— São do Imperador! — responderam eles.
25 Então Jesus disse:
— Deem ao Imperador o que é do Imperador e deem a Deus o que é de Deus.
26 Eles não puderam conseguir nenhuma prova contra Jesus diante do povo. Por isso ficaram calados, admirados com a resposta dele”.
Romanos 13:1-8
“1 Obedeçam às autoridades, todos vocês. Pois nenhuma autoridade existe sem a permissão de Deus, e as que existem foram colocadas nos seus lugares por ele. 2 Assim quem se revolta contra as autoridades está se revoltando contra o que Deus ordenou, e os que agem desse modo serão condenados. 3 Somente os que fazem o mal devem ter medo dos governantes, e não os que fazem o bem. Se você não quiser ter medo das autoridades, então faça o que é bom, e elas o elogiarão. 4 Porque as autoridades estão a serviço de Deus para o bem de você. Mas, se você faz o mal, então tenha medo, pois as autoridades, de fato, têm poder para castigar. Elas estão a serviço de Deus e trazem o castigo dele sobre os que fazem o mal. 5 É por isso que você deve obedecer às autoridades; não somente por causa do castigo de Deus, mas também porque a sua consciência manda que você faça isso.
6 É por isso também que vocês pagam impostos. Pois, quando as autoridades cumprem os seus deveres, elas estão a serviço de Deus. 7 Portanto, paguem ao governo o que é devido. Paguem todos os seus impostos e respeitem e honrem todas as autoridades.
Amar uns aos outros
8 Não fiquem devendo nada a ninguém. A única dívida que vocês devem ter é a de amar uns aos outros. Quem ama os outros está obedecendo à lei.”.
5. Comentários sobre as referidas passagens bíblicas e as respostas aos citados questionamentos:
Jesus era assim um defensor da legalidade (hoje ele seria um defensor da Lei de Responsabilidade Fiscal). Nota-se em Mateus 17:24-27 que mesmo não sendo obrigado a pagar o imposto do templo (estaria isento pelas leis romanas) abriu mão desse benefício fiscal e de sua própria liberdade, para assegurar e dar o exemplo a todos.
O fato demonstra que o cristão precisa se submeter aos limites e obrigações impostas pelas leis. Não é por outra razão portanto, que a bíblia, citando aquela resposta de Jesus aos fariseus, mandou que se pagasse o que era devido ao rei romano, porque o tributo era a ele devido (Mateus 22:20-21).
Também em Romanos 13:6-7 é determinado que sempre se pague o tributo exigido pelas autoridades, devidos na forma de lei. Como vimos, os tributos são devidos e razão do princípio da legalidade (Artigo 150, inciso I – C.F.), e quando essa legalidade não é respeitada pelas leis federais, estaduais e municipais, é direito de qualquer cidadão, incluindo-se os cristãos, discutir administrativamente e até judicialmente esse pagamento do tributo exigido pelas autoridades. A legalidade é, pois, uma moeda que têm duas faces, a do fisco e a dos contribuintes a ser respeitada.
Outro ponto importante a ser ressaltado e a semelhança existente entre o pagamento dos tributos pelos contribuintes, como exige as citadas disposições legais e o pagamento dos dízimos pelos cristãos de acordo com as citações bíblicas.A resposta de Jesus bíblia quando provocado pelos fariseus, sobre a dúvida se deveriam então pagar os tributos( pertencentes a Cesar) e o dízimo (pertencente a Deus), deixa claro o divisor entre essas duas contribuições obrigatórias.
No conceito legal de tributo( artigo 3º CTN) encontramos essa semelhança: “ toda prestação pecuniária compulsória que não constitua sanção de ato ilícito”, voltada para aquela sustentação de atividade governamental; no conceito de dízimo expresso pelas citações bíblicas (Levítico 27:30, Números 18:26 Deuteronômio 14:22; Crônicas 31:5 e Malaquias 3:8-10), também encontramos essa mesma semelhança em que “Todos devem dar ao templo 10% do fruto do seu trabalho” destinado a prover as necessidades dos sacerdotes..
Respondendo assim aos citados questionamentos, não seria lícito ao cristão, independentemente da lei, deixar de pagar o tributo quando ele é efetivamente devido. Muito pior ainda, se pensar naquele procedimento irregular e ilegal de “sonegação fiscal”, sendo ai contrário não somente à lei, como também aos preceitos bíblicos, desrespeitando a mensagem e o exemplo deixado por Jesus Cristo.
Nada justifica assim, perante as palavras da bíblia, que o cristão não pague ou ainda sonegue o tributo devido, a não ser naquelas hipóteses de ilegalidades e inconstitucionalidades das leis, necessitando haver assim questionamentos jurídicos.
Por fim, a título ilustrativo, deve ser esclarecido ainda que “os templos de qualquer culto” quanto aos seus patrimônios (propriedades), rendas e serviços, estão imunes do pagamento de impostos (proibidos de serem tributados), por força no Artigo 150, inciso VI, letra B da nossa Constituição Federal, não se sujeitando assim as exigências legais do fisco, quanto ao pagamento do IPTU, Imposto de Renda, ITBI, ISSQN e IOF. Essa imunidade não é, entretanto, extensiva as demais espécies como taxas e contribuições de melhoria.
Para encerrar, é sempre bom lembrar um provérbio deixado pelo escritor e pensador inglês Samuel Johnson, a respeito desse assunto: “Só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos”.
Na próxima oportunidade, vamos analisar a “prima-irmã” da sonegação fiscal, que é a “corrupção”, nos seus aspectos legais e bíblicos.
Autoria de Antônio da Silveira. Advogado, Contabilista e Professor, Mestre e Especialista em Direito Financeiro e Tributário com experiência de 40 anos na área pública. Disponível em http://www.nobilisnucleo.com.br/professor-detalhes/12/antonio-da-silveira